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Desmaterialização do varejo: o crescimento de serviços e soluções no ambiente global e local

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    Comunicação
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura
FBM
Imagem: ChatGPT

O varejo como o conhecemos sempre foi na sua essência o negócio de comprar e vender produtos.


De forma simplista, a escolha e compra dos produtos, localização da loja (location, location, location), eficiência logística, escala e exposição e promoção definiam em boa parte o sucesso do negócio.


Na atualidade e no futuro o centro de gravidade do valor migra do produto físico para serviços, soluções e experiências, num processo que propomos caracterizar como de desmaterialização do varejo. Isso ocorre quando parte relevante do valor percebido pelo consumidor migra do produto em si para os serviços integrados e/ou envolvidos em todo o processo.


O avanço da digitalização, da Inteligência Artificial e das plataformas transacionais transforma toda a atividade do varejo em um sistema mais abrangente que envolve conveniência, preço, condições de pagamentos, algoritmos e personalização.


Todo esse processo é avalizado pela constatação fundamental de que sociedades mais desenvolvidas têm dispêndios maiores e mais concentrados em serviços e soluções ao invés de produtos em si.


Cresce a parcela de consumidores que alugam produtos como carros, eletrodomésticos ou eletrônicos, ao invés de comprá-los. As despesas com serviços integrados com alimentos e bebidas são crescentes chegando próximo a 60% a participação do foodservice no total desses dispêndios nos Estados Unidos, por exemplo.


A indústria e as marcas chegam direto no consumidor final levando produtos e soluções e atuando com distribuição através de parceiros que são prestadores de serviços. As 3600 operações Omo de lavanderias, a maior parte através de franquias, é exemplo dessa realidade.



O pano de fundo econômico


A mudança é econômica e matematicamente objetiva. Dados do FMI e do Banco Mundial (2000–2024) mostram que nas cinco maiores economias mundiais, e incluindo o Brasil, a participação ponderada dos serviços no PIB subiu de cerca de 61% em 2000 para mais de 71% em 2024.


Quando o cálculo envolve essa participação média considerando a paridade de poder de compra (PPP), serviços representam quase 69% da atividade econômica global.


Essa transformação é reflexo de uma mudança estrutural: economias baseadas em atividades agrícolas, industriais e envolvendo bens materiais dão lugar a ecossistemas estruturados em conhecimento, tecnologia e experiência.


E o varejo amplifica e acelera essa tendência sob risco de perder relevância econômica e financeira sendo superado por ecossistemas com oferta plural e diversificada de alternativas para manter ou ampliar sua participação nas despesas dos consumidores.



Desmaterialização global: do produto ao serviço


Alguns exemplos são eloquentes dos processos em transformação.


A Apple complementa/substitui produtos por serviços. Seus serviços, incluindo iCloud, Apple Music, Pay e TV+, já representam mais de 25% da receita global e cresce o dobro comparado com hardware. O consumidor reduz a compra de produtos em si e passa a consumir soluções integradas aos produtos.


A Nike, com seus programas NikePlus e Training Club, monetiza dados e engajamento contínuos, desmaterializando a relação de consumo. Os produtos esportivos são ponto de partida, mas os serviços é que geram a relação contínua.


O programa Prime para Amazon sintetiza a proposta do varejo com assinatura recorrente que combina entrega, conteúdo, música, entretenimento e conveniência.


Gigantes varejistas tradicionais como Carrefour e Walmart se reinventam como fornecedores de serviços a marcas e parceiros, vendendo mídia, dados e logística. O Carrefour Links e o Walmart Connect mostram que o varejo se transformou em plataforma mais abrangente.


Na China, exemplos de ecossistemas como Alibaba e JD mostram como o varejo digital se funde com serviços na nuvem, pagamentos, mídia, entretenimento e logística em sistemas de serviços que desmaterializam a fronteira entre fabricantes, varejistas, prestadores de serviços e consumidores.

No Brasil alguns exemplos já são claros em avalizar a transformação.


Magazine Luiza e Mercado Livre transformaram-se de varejo de revenda de produtos em ecossistemas, incorporando serviços digitais e financeiros e envolvendo marketplace, fintech, publicidade, logística, pagamentos e conteúdo.


Da mesma forma Natura e Boticário integram o físico e o digital por meio de diagnósticos, personalização e consultoria, em que a venda é amplificada com relacionamento e serviço.

Redes de farmácia como Pague Menos e RD, da mesma forma como Boots, CVS e Walgreens nos Estados Unidos e Europa, têm parcela crescente de receitas e resultados com serviços envolvendo diagnósticos, exames e vacinação, entre outros.


Outros exemplos podem ser citados com Ambev e Zé Delivery oferecendo conveniência imediata e serviços logísticos diretos ao consumidor.


Ou como o Banco Itaú através de serviços financeiros se transformou em um dos maiores revendedores da Apple com seu programa iPhone para Sempre que desenvolveu e oferece a troca permanente de produtos pelos novos lançamentos. Na prática, consumidores estão assinando os serviços Apple através do Itaú.



As novas dimensões do varejo de serviços


A desmaterialização não significa a irrelevância do produto, mas sua integração a uma lógica de serviços contínuos que permite diferenciação, fidelização e rentabilização.


Quatro eixos definem esse novo modelo:

1. Dados e tecnologia – IA, nuvem e automação tornam o varejo inteligente e preditivo.

2. Plataformização – integração entre marcas, consumidores e provedores de solução.

3. Serviços recorrentes – assinaturas, aluguel, pay-per-use.4. Monetização amplificada – logística, mídia, dados, crédito, saúde, conveniência.


De forma mais abrangente é possível combinar produtos, serviços e soluções para gerar uma relação diferenciada com os consumidores reduzindo o componente mais racional no processo de compra e valorizando e integrando elementos mais emocionais como relacionamento, customização, experiência, conveniência, simplificação e facilidade.


A partir dessa combinação é possível avançar para desmaterializar a própria relação iniciada com produtos para tornar-se apenas serviços e soluções. Os serviços financeiros oferecidos por varejistas, desvinculados da venda de produtos, por varejistas ou ecossistemas, são exemplos desse processo.



Brasil e o desafio da produtividade em serviços


No Brasil, os serviços já representam perto de 60% do PIB e em processo de crescimento, apesar da crescente representatividade do setor Agro. A necessidade, muito mais do que a oportunidade, está em transformar o varejo em provedor de soluções com valor agregado, conectando tecnologia, dados e experiência.


Produtos de forma geral se convertem em comodities pelo impacto das plataformas e marketplaces. Tudo de forma instantânea pelo efeito do digital. E sob intensa pressão competitiva.


E com menor expressão no segmento luxo, em que marca e experiência são fundamentais na diferenciação. Mas até mesmo nesse segmento marcas e negócios estão ampliado seu escopo de atuação desenvolvendo spas, hotéis, restaurantes e mais alternativas de serviços.



Conclusão


A desmaterialização do varejo marca a passagem da economia de objetos e produtos para uma economia de relações e soluções através de plataformas e ecossistemas de valor agregado e relacionamento contínuo.


As diferentes ondas que foram vividas no processo de evolução dos serviços no varejo têm neste momento um ponto de inflexão relevante pela combinação da crescente participação dos dispêndios pessoais com serviços no mundo e da amplificação da oferta de alternativas de compra de produtos que tende a “comoditizar” quase tudo, pressionando vendas, margens e rentabilidade.


O caminho dos serviços e soluções deixou de ser opção. É cada vez mais um ponto fundamental de reflexão e, principalmente, ação.



Marcos Gouvêa de Souza

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, o mais relevante ecossistema de consultorias, soluções e serviços que atua em todas as vertentes dos setores de Varejo, Consumo e Serviços. É membro do Conselho do IDV, IFB e Ebeltoft Group, presidente do LIDE Comércio, conselheiro do grupo BFFC/Bob's, publisher da plataforma MERCADO&CONSUMO e autor/coautor de mais de dez livros relacionados aos temas de sua especialidade.


*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

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